Dupla mergulha no conhecimento do ser profundo e na sonoridade envolvente de uma jornada
“Todas as canções estão em 432hz”, ressalta Raquel Lara Rezende que, ao lado de Tiago Guimarães, compôs o disco Consciência do Ser lançado hoje, dia 10 de Março. Para alguns, o que Raquel enfatiza não diz muita coisa, mas a frequência 432hz é conhecida como a mais consistente na natureza, amplamente usada no canto gregoriano. E, segundo musicólogos, possui a característica de criar uma vibração de cura para o corpo, para a mente e para o espírito. Clique aqui para escutar
Algumas canções foram compostas em dupla, enquanto outras vieram de produções solo. O início se deu com uma ideia de Raquel: “a ideia do Consciência do Ser nasceu em Abril de 2020, a partir da composição da canção Voz de dentro, em parceria com o músico e compositor Renato da Lapa. Naquele momento, visualizei um EP com músicas que trouxessem em suas letras sentidos profundos sobre a vida e os aprendizados que são preciosos em nossas jornadas”. E daí, a ideia do EP ganhou força e evoluiu quando, já no segundo semestre de 2021, Raquel e Tiago deram continuidade ao que de fato se transformaria em álbum. “Tiago tinha o desejo de produzir um álbum de MPB que trouxesse um sentido espiritual, casou perfeitamente”, lembra Raquel.
O álbum como um todo narra uma jornada, como a do herói que se lança na vida para desenvolver as suas habilidades, aprender e depois se dissolver novamente no todo. Toda jornada de autoconhecimento começa a partir do olhar para dentro, do movimento de auto percepção, auto observação. Desde muito cedo se aprende a ter o olhar voltado para fora e a ter diversos estímulos visuais, sonoros e informativos. “Estamos o tempo todo com a nossa atenção voltada para algo externo. E isso provoca uma profunda desconexão com o nosso corpo, com a nossa voz e com o nosso universo interno. Talvez por isso, um dos primeiros passos fundamentais em nosso autodesenvolvimento seja o auto reconhecimento, o auto amor. E a primeira música que gravamos foi Meu Grande Amor, música e letra do Tiago. Ela abriu para nós as portas da criação do Consciência do Ser”, explica Raquel.
Ao longo das 13 canções do álbum, é notável a influência musical mineira que amarra o rock e a musicalidade popular em um tecido único.Também estão muito presentes a MPB, música cigana e a linguagem musical dos mantras. “Nossa experiência como terapeutas de som também se faz presente de forma sutil, trazendo alguns toques ao longo do album”, comenta Tiago.
Participações especiais
As participações do álbum contam com Gabriel Moreira (viola, violão tenor e saxofone tenor), Carla Raiza (violino, viola e rabeca), Nathalie Magalhães (percussão), Antônio Salles (baixo), Laura Santos (clarinete), Gago Ferreira (guitarra), Erica Navarro (violoncelo), Mestre Dalua (percussão), Dirceu Azevedo (baixo), Adriano Machado (percussão) e Mari Tabacow (piano). “Cada músico e musicista convidado/a trouxe a sua bagagem e a sua sonoridade para as músicas e tiveram liberdade para cocriar conosco. Em algumas músicas, apresentamos ideias mais estruturadas e em outras fomos concebendo juntos mesmo. Apenas Raízes do Brasil recebeu um arranjo mais fechado feito por Erica Navarro, compositora e musicista”, comenta Raquel.
As músicas, com exceção de Meu Grande Amor, foram gravadas na casa do Tiago (São Paulo) e todas foram editadas e masterizadas pelo Adonias Junior, do Estudio Arsis (São Paulo). Ficha técnica completa aqui.
Apresentações de lançamento
O show de lançamento de Consciência do Ser já tem datas marcadas em São Paulo, dia 31 de Março, e em Juiz de Fora, dia 14 de Abril, quando terá participação especial da cantora Juliana Stanzani, que também estará lançando um novo trabalho na mesma noite. Quanto ao formato da apresentação, Raquel explica: “O show de São Paulo contará com a formação mais completa e mais próxima do que foi feito no álbum. Em Juiz de Fora, faremos com um grupo um pouco menor que é a nossa versão intermediária”.
Na capital paulista, o local do evento é na Casa de Cultura Os Capoeira, em Pinheiros, a partir das 21h (ingressos a R$50 aqui) do dia 31. No palco, além de Tiago (violão e voz) e Raquel (voz), estarão também Carla Raiza (violino e rabeca); Erica Navarro (violoncelo); Antônio Sales (baixo); Gago Ferreira (guitarra e viola); Mestre Dalua (percussão).
A noite em Juiz de Fora será na casa de shows Sensorial, no bairro Aeroporto, a partir das 21h, do dia 14 de Abril. Junto com os autores, Vitor Rozeni (baixo), Renato da Lapa (guitarra e violão), além de um percussionista, vão tocar as canções do novo disco. Os ingressos ainda serão liberados.
Faixa a faixa
Matriz Divina é o convite para a jornada proposta pelo álbum. É uma música que narra uma história que começa na primeira faixa e termina na última, com a música completa. “Essa canção nasceu a partir de um sonho em que eu escutava uma música no rádio, e uma pessoa me dizia que a música era minha. Eu fiquei surpresa, pois era uma música que havia ficado muito conhecida. Quando acordei, já não tinha mais a melodia na cabeça, apenas o nome: Matriz Divina. Me sentei e escrevi um texto que parecia mais história. Depois o Tiago foi brincando no violão e ficou claro para a gente que o universo das modas de viola do Vale do Jequitinhonha, que eu amo, e a musicalidade do Elomar estavam marcando presença”, lembra a cantora.
Vida de Travessia, quarto single lançado, percebe-se a força da musicalidade mineira, enquanto a jornada segue em frente. Jornada essa que está sempre presente, em muitos níveis e sentidos: interior e exterior, psíquico e físico, terrestre e cósmico. Na sequência, vem Voz de Dentro, “e traz o pulso da vida que no reconhecer da própria potência, se expande em criação e em presença. A atenção plena, o estar presente com a inteireza do seu ser, essa é uma chave fundamental para desfrutar o fluxo do viver”, diz Raquel que completa: “essa música traz um ritmo iorubá que amamos muito: o ijexá. Um ritmo que embala os corações de muitos brasileiros, pois além de estar presente em diferentes expressões religiosas, como a umbanda, o candomblé, umbandaime, jurema, também está fortemente presente na MPB”, ressalta.
Meu Grande Amor foi a primeira canção a ser registrada e lançada como single. No álbum ela expressa o ponto chave da jornada, quando se compreende que “nós somos nosso grande amor. Nós somos nosso mais importante projeto, nossa grande obra de arte”, comenta Tiago. Musicalmente, a canção instaura uma experiência mântrica que convida a estar frente a frente consigo mesmo e se reconhecer. Raquel comenta: “A melodia é cantada pelo Tiago e os vocalizes que faço são como um guia que conduz o ouvinte ao seu próprio universo interior”.
Espelhos surgiu em uma meditação de Raquel e chega na sequência desse “reconhecimento” para lembrar que também se é o outro. “Que o outro que está à nossa frente é um precioso espelho, através do qual o nosso inconsciente projeta aquilo que não fui capaz ainda de reconhecer em mim, ou de transformar em mim. Nesse caminho, eu aprendo a me amar em cada pessoa que se faz presente e amá-la em mim. Esse é o amor ágape que não coloca condições, julgamentos, qualificações, dependências nem condições. É o amor em que eu me reconheço no outro e sou capaz de ver a sua melhor versão. A partir dessa consciência, eu tomo a decisão de ser também a minha melhor versão, de ser um espelho precioso e poderoso para as pessoas ao meu redor”.
Raízes do Brasil é uma canção com diferentes climas e traz um arranjo de cordas especial feito pela Erica Navarro. “A faixa nasceu com o Tiago que chegou pra mim com a primeira parte pronta e queria inserir uma segunda parte com nomes de árvores brasileiras. Nós fizemos essa pesquisa e eu compus em uma sentada a segunda parte da música. Era como se já estivesse ali e eu só sintonizei e traduzi. Essa é uma canção que traz um sentido mais profundo de ancestralidade.A ancestralidade que transcende os laços familiares e que remete ao reconhecimento da nossa conexão com a terra, com os elementos da natureza. Nós somos também natureza”, diz Raquel.
Bebo Água de Todo o Rio é a sétima faixa e, segundo Raquel, “uma linda viagem. A sensação que tenho depois de escutar essa música é de estar embriagada. Ela suspende a sensação de tempo e espaço e nos leva para um plano em que muitas coisas acontecem, muitas experiências. Musicalmente, ela também traz algo mântrico que se revela no violão. E sobre esse rio caudaloso formado pelo violão eu navego, brinco, mergulho com as palavras, frequências e cantos. A presença do tambor traz uma conexão com o Brasil profundo que me encanta. Pra mim, um dos sons do Brasil se traduz no som dos tambores”.
Viver com Alegria “é um poslúdio que instaura a decisão de viver com alegria essas experiências que nos encharcam. Trata-se do poder de criar o seu próprio paradigma de vida. Ela é cantada a capela, tendo como acompanhamento o tambor, inspirado no congado mineiro. Inclusive, Raquel destaca sua experiência pessoal: “Tive uma relação muito mágica e amorosa com o congado. Quando estudei na UFV, em Viçosa/MG, participei de um grupo de pesquisa sobre cultura popular, Gengibre, em que atuamos com projetos de extensão e criação artística, com o grupo de congado de São José do Triunfo. Depois no mestrado eu realizei uma pesquisa de educomunicação com os jovens congadeiros dessa comunidade. E em Juiz de Fora participei de 2 grupos de tambor mineiro, em que tocava o patangome. Sempre fui apaixonada pela cultura popular brasileira, pela sua magia, a sua alegria. E esse breve canto também expressa esse meu amor e o que aprendi com tantas comunidades tradicionais que tive a honra de conhecer ao longo do Brasil: que a alegria de viver a vida é uma escolha”.
O Rio, fala em primeira pessoa e traz a consciência de que “eu sou o rio e o rio sou eu”. “Ela também resume a própria jornada do herói que é o rio, que brota da terra, constrói seu próprio caminho, serpenteando a terra, criando vida por onde passa, até que se dissolve, se integra no todo”, comenta Tiago.
Quedate En Su Corazón é uma canção que honra a essência cigana que vive nos compositores do álbum. “Eu e Tiago nos conhecemos em um curso de canto cigano, oferecido pela cantora argentina e professora Lucía Soledad. Tinha pouco tempo que eu estava em São Paulo e esse curso me trouxe muitos amigos que hoje seguem presentes em minha vida e que também participaram do álbum, como a Carla Raiza e o Antônio Sales. Eu já morei em 17 cidades e já nem sei mais em quantas casas. Sinto esse impulso de ir além, de seguir em frente e conhecer o que ainda não conheci. Eu nunca consegui me imaginar quieta, fixa em um lugar e eu nunca entendi essa convenção das fronteiras. Esse conceito nunca fez sentido para mim, afinal o mundo é um e ele nunca esteve dividido em países e territórios. Essa é uma invenção humana. Com essa música eu compartilho o aprendizado de nutrir a presença no coração, no centro do peito, nesse lugar em que nos reconhecemos como a fonte que somos. Compartilho também os aprendizados mais importantes dos últimos três anos, estudando e praticando a consciência do poder palavra: nós somos os manifestadores da nossa realidade”.
Valsa Para a Terra, conecta a um sentimento de plenitude, serenidade e em comunhão com a Terra. “Logo pela manhã, a Raquel fez uma sequência simples de acordes no violão, o que não acontece todo dia, e me chamou para dar uma volta na Praça das Corujas em São Paulo. Com os pés na terra, e a consciência de que somos parte do caminhar desse planeta, que cria vida o tempo todo, Raquel pegou um caderno e começou a escrever uma letra. Quando terminou, virou a página e me falou – agora você escreve algo e vemos o que acontece -. Nisso, continuei a sequência no violão e ela uniu as duas escritas.”, relata Tiago.
Gracias é um prelúdio que sela a jornada com o sentimento de gratidão. Com a rabeca, violoncelo e vozes, a intenção foi trazer a conexão entre a música nordestina e a música antiga e também o canto gregoriano. “Como linguagem universal, a música, assim como o mundo, não possui fronteiras. E ela nos transporta para um sentimento fora do tempo e do espaço, onde apenas somos”, diz Raquel.
Matriz Divina completa a jornada de consciência, em que o herói se reconhece em si mesmo e, por isso mesmo, é o single escolhido de lançamento do disco. “Passamos a nos reconhecer em cada passo que damos, em cada paisagem por onde já transitamos, em cada rio e mar em que nadamos. Ao escrever o texto que deu origem a essa música, estava presente uma experiência que tive durante o caminho do sertão. Um projeto lindíssimo que organiza uma caminhada de 10 dias, partindo de Sagarana e chegando até a Chapada Gaúcha, no sertão mineiro. Esse trajeto é parte do caminho feito pelo bando do Riobaldo, no livro “O Grande Sertão Veredas”, de João Guimarães Rosa. Essa foi uma caminhada muito importante para mim e uma das sensações que me marcou foi a de estar caminhando dentro de mim mesma. Era uma sensação nova que nunca havia experimentado e que não senti outra vez da mesma forma. Era como se realmente não existisse fora, como se tudo estivesse dentro de mim, como em um sonho muito real. Por essa inspiração, para mim é muito especial que musicalmente Matriz Divina traga essa força do sertão, com a presença da viola e desse jeito de cantar contando história. Essa caminhada pelo sertão fez parte da minha pesquisa de campo do doutorado que teve como foco as relações humanas com a água. Três anos depois estive novamente nas veredas, dessa vez com o Tiago que também se apaixonou pela região. Uma outra experiência que está presente nesta canção eu vivi em meditação, sentada em frente a uma fogueira. Em um momento estava somente eu e a fogueira que foi desaparecendo até que eu fiquei suspensa na imensa escuridão. Foi quando entendi que não havia nada de ruim na escuridão. Ela era uma parte da minha consciência, assim como a luz. Ela era a matéria bruta de toda a vida. E assim completamos a jornada, como a carta do Mundo do Tarot de Marselha, que traz através da imagem do ovo o princípio e o fim, que na verdade não existem como tais, são apenas uma percepção momentânea. O mundo representa o estado de completude, de integração, de dissolução. Eu sou a matriz divina, a matriz divina eu sou”, finaliza a compositora.